01. Escarro




Escarro
[Juliano Berko]

Aquilo que é sempre indômito, perenemente vindouro: o futuro
Se para ti é obscuro e te cegas, pois, para mim está claro
Sou ciumento da luz da lua nas madrugadas mais estreladas
Apenas querendo eu posso poder, não há potência sem querer! 

Eu rumino o acaso com lentidão
Com a paciência de Jó e a obediência de um cão
Eu também já tive pavor do espelho:
Quanto horror adiciono àquilo que me assemelho!

Não pretendo ter um bom coração, senão, um coração bom de mira
Que ame a vida por toda a eternidade ou que me mate agora
Na carne de todo o presente implacavelmente mergulhe e desfira
No pêlo do animal afora golpe em que afunde tal qual espora

Eu também tive que superar o asco:
Sou professor por — “profissão”: não é o que menos se professa...?
Quem conhece meus defeitos, falhas de caráter,
E ainda assim me amar — como eu poderia lhe perdoar? 

Como eu toleraria a maldita “boa intenção” sem tomar distância e dar mais um passo?
Que outro antídoto haveria pra ojeriza à boa constituição que adorna o fracasso?! 

Como poderia fugir da minha sombra se mais longas são suas pernas?
Por que ter dela receio se mais finos são seus delicados dedos?
Fuja, se é o que queres, mas não retornes pela trilha em que vim
Minha pisada é pesada, por onde eu passei fiz do caminho ruim

Quem não puder me compreender,
Que ao menos possa, por bom gosto, ser capaz de me admirar!
Ignore-me e silencie quanto a mim: “...”
Evidencie-se, assim, o seu mau gosto!

Como vós suportaríeis vislumbrar minha perfeição se não fosse o meu escarro?
Como eu suportaria conviver com a má-compleição, senão, com meu escárnio?

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